LELÊ AS MARGENS PLÁCIDAS
Neste domingo, o meu avô fez duas coisas legais: uma foi que ele me deu uma espada de Darth Vader (que tem uma luz vermelha que é que nem se fosse um raio laser). E a outra foi que ele me levou para no Museu do Ipiranga, em São Paulo.
Lá tem um monte de coisa legal, mas do que eu gostei mais foi de um quadro que é bem grandão. Todo mundo estava em cima de uns cavalos, com uns uniformes brancos e uns capacetes com uns trecos vermelhos.
O meu avô estava começando a me explicar que aquilo ali era o tal grito do Ipiranga quando eu ouvi um barulho estranho.
"Escutou isso, vô?"
"Escutei. Acho que o ar condicionado está com defeito", ele respondeu.
Mas aí eu senti um cheiro ruim e falei:
"Que nada! Foi o senhor que soltou um pum!"
"Eu?! Imagina, Lelê... Você está ouvindo coisas."
"Ouvindo, não, cheirando!?" eu respondi.
Então aquele fedorzão entrou pelo meu nariz e eu comecei a ficar meio tonto. Até fechei os olhos para ver se passava. Só que, quando eu abri eles de novo, eu já não estava no museu. Estava montado num burrico. E em cima de outro jumento, ali do meu lado, tinha um homem que eu nunca tinha visto antes.
"Quem é você, eu perguntei"?
"Francisco Gomes da Silva, mas pode me chamar de Chalaça."
"Eu sou o Leocádio, mas pode me chamar de Lelê."
"Muito bem, senhor Lelê."
"Para onde a gente está indo?", eu perguntei pra ele.
"Para São Paulo. É só seguir este riacho chamado Ipiranga que chegaremos lá."
"Não era mais rápido pegar um ônibus?", eu falei pra ele.
"Ônibus? Nunca ouvi falar.", ele me respondeu
"Nunca? Xi..., já vi tudo... Em quando é que a gente está?"
"Em quando? Ora, no dia sete de setembro de 1822"
"Caramba, dessa vez o meu avô caprichou no pum de pirlimpimpim!"
"No o quê?, o tal do Chalaça me perguntou.
"Um pum mágico que o meu avô..., ah, deixa pra lá."
Aí eu olhei em volta e vi que tinha uma turma montada nuns outros burricos, todo mundo com umas roupas marrons, bem feias. E do lado do Chalaça tinha um cara com uma roupa melhorzinha. Ele usava uma barba preta e fazia uma cara estranha, igual que nem eu faço quando estou com dor de barriga. Então o Chalaça perguntou para ele:
"O jantar de ontem não vos caiu bem, Dom Pedro?"
"Aquela carne de porco com feijões pretos está a me matar", o cara respondeu.
"Acho que vou aos matos aliviar-me."
Então ele desceu do burrico e entrou atrás duns arbustos que ficavam na beira do riacho. Todo mundo parou para esperar Dom Pedro. Mas aí, enquanto ele estava fazendo alguma coisa lá no mato, chegou um cara correndo num cavalo. Ele foi até o Chalaça e disse:
"Sou o mensageiro Paulo Bregaro e trago cartas urgentíssimas para o Príncipe-Regente."
"Da parte de quem?"
"Da princesa Dona Leopoldina e de José Bonifácio."
Nessa mesma hora apareceu D.Pedro arrumando as calças, e aí foi ver o que eram aquelas cartas. Depois de ler tudo, ele fez uma cara de bravo e jogou as cartas no chão.
"O que dizem estas folhas, senhor?", perguntou o Chalaça.
"Elas dão contas das últimas decisões da corte portuguesa em relação ao Brasil. Querem me destituir do cargo de príncipe-regente, tirar-me o poder de nomear ministros e ainda me ameaçam, dizendo que há uma tropa de sete mil praças a caminho."
"E o que o senhor vai fazer?", eu perguntei.
"O que tem que ser feito", ele respondeu. Vou obedecer ao rei, meu pai, e voltar para Portugal."
Aí eu pensei que, se ele não proclamasse a independência, não ia mais ter feriado no dia sete de setembro. Então eu disse:
"De jeito nenhum! O senhor tem que proclamar a independência do Brasil! Chega de obedecer o seu pai. Você já é grande demais!"
Ele pensou um pouco e disse: "Tens razão!"
Daí ele subiu no jumento, foi até o meio do pessoal, arrancou uns laços que estavam na roupa dele e gritou:
"Laços fora, soldados!"
Todo mundo arrancou os laços da roupa. Eu não tinha nenhum, mas para não ficar chato eu arranquei um botão da minha camisa.
Então D.Pedro fez um discurso que foi meio assim:
"Pelo meu sangue, pela minha honra, pelo meu Deus, juro promover a liberdade do Brasil!"
Depois ele se virou para o lado em que eu estava, apontou a espada para o céu e gritou:
"INDEPENDÊNCIA OU MORTE!"
Todo mundo ficou olhando para ele sem saber o que fazer, mas aí, como eu já tinha visto aquele quadro no museu, eu levantei a minha espada de Darth Vader e gritei: "Independência ou morte!"
E aí todo mundo me imitou, levantando a espada e gritando: "Independência ou morte!"
Foi maior legal! Pena que justo nessa hora passou o efeito do pum de pirlimpimpim e eu voltei para o museu.
O meu avô, que não percebeu nada, continuava falando: ".. e é por isso que o quadro do Pedro Américo é tão importante, por mostrar como foi o Grito do Ipiranga."
"É, mas não foi bem assim, não", eu disse. E continuei: "O pessoal estava nuns burricos, a roupa não era tão bonita e o Dom Pedro estava com dor de barriga."
"Bom, tem uns historiadores que falam isso mesmo."
"E também tinha um garoto com uma espada de Darth Vader."
"Como é que é?", meu avô me perguntou.
"Nada, nada.."
TIRADENTES TIRA O DENTE DE LELÊ
Eu estava com um dente meio mole, então o meu avô me levou até o doutor Rony, que é o meu dentista. Eu esperei um pouco lendo umas revistas velhas e aí o doutor Rony chamou a gente.
"Pode entrar, Lelê."
O meu avô também entrou e ficou sentado numa cadeira ali do lado, e eu fui para a cadeirona de dentista (deviam vender essas cadeiras para a gente ver tevê em casa).
"Vamos tirar esse dentinho mole?"
De repente eu senti um cheiro esquisito. Esquisito e ruim. Era o pum do meu avô! O pum de pirlimpimpim! Sempre que o meu avô solta o pum mágico dele, acontece alguma coisa estranha.
"Ei, pára de mexer na minha boca! Você não é o doutor Rony!"
"Não, mas também sei tirar dentes. Por isso que o meu apelido é Tiradentes."
"Você é o Tiradentes! Aquele que a gente estuda na escola?"
"Eu mesmo, uai."
"Cadê a sua barba?"
"Eu nunca usei barba. Lá no exército não deixavam. E quando eu fui preso até rasparam o meu cabelo por causa dos piolhos da cadeia."
"Mas eu vi a sua foto!"
"O meu retrato?"
"Isso."
"Acho que me desenharam daquele jeito para eu ficar com cara de herói, sabe?"
"E essa corda no seu pescoço?"
"É que eu fui enforcado."
"Aica! Por quê?"
"Porque eu participei de um movimento chamado Inconfidência Mineira. A gente queria separar Minas Gerais de Portugal."
"Só de Minas Gerais?"
"É."
"E muita gente foi enforcada?"
"Não, só eu. Os outros foram perdoados. Eu era o único pobre da turma. O engraçado é que eu não tinha dinheiro, mas depois minha cara foi estampada numa nota."
"Poxa, sua mãe deve ter ficado triste quando você foi enforcado..."
"Na verdade, minha morreu quando eu tinha nove anos. E o meu pai quando eu tinha onze. Aí eu e os meus seis irmãos ficamos pobres."
"Que chato..."
"Mas eu me virei. Tanto que eu fui mascate, minerador, dentista e por um bom tempo fui militar."
"Um general?"
"Não. Só cheguei a alferes. Eu comandava uma patrulha dos Dragões de Minas. Até prendi um ladrão bem famoso, o Montanha."
"Legal!"
"Ops! Pronto, saiu seu dente!"
"Pô, nem doeu."
"Ah, se tivesse estes equipamentos no meu tempo."
"E a tal da Inconfidência deu certo?"
"Não. Denunciaram o nosso plano para o governador de Minas."
"Quem que fez isso?"
"Várias pessoas. Um deles foi o Joaquim Silvério dos Reis, que era meu amigo."
"Dedo-duro é fogo! Na minha classe tem a Mirella. Ela sempre diz quem que começou a guerra de bolinhas de papel."
"Aí eu fiquei três anos preso. E depois fui enforcado."
"Doeu?"
"Foi pior que dor de dente. E o meu enforcamento foi uma espécie de show. Teve até fanfarra."
"Caramba!"
"Depois de me enforcarem separaram o meu corpo em várias partes. E com o meu sangue escreveram a certidão de que estava cumprida a sentença."
"Cruel!"
"É, mas no fim das contas, o dia da minha morte virou feriado nacional. O que mais eu podia querer? Agora cuspa, por favor."
"Ué? Cadê o Tiradentes?"
"Tira-dentes? Poxa, Lelê, pode me chamar de dentista, odontologista ou de pedodontista, mas tira-dentes é feio."
"Não, é que... Ah, deixa pra lá. É tudo culpa do pum do meu avô."
"Nunca mais vou comer couve-flor."
A RAPOSA E AS UVAS
Créditos: http://criancas.uol.com.br/
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